O Pix revolucionou as transações financeiras no Brasil, oferecendo praticidade e rapidez nas transferências. No entanto, essa mesma agilidade tem sido explorada por golpistas para aplicar fraudes. Neste artigo, explicaremos como funciona o Mecanismo Especial de Devolução (MED), criado pelo Banco Central para ajudar vítimas de golpes a recuperarem seus valores, além de abordar os aspectos jurídicos envolvidos e os procedimentos necessários para reaver o dinheiro.
O que é o Mecanismo Especial de Devolução (MED)?
O MED é um procedimento desenvolvido pelo Banco Central do Brasil especificamente para recuperar o dinheiro de vítimas de fraudes que utilizam o Pix como meio de pagamento. Diferentemente de outras transações financeiras como TED e DOC, o Pix é instantâneo, transferindo o dinheiro da conta do pagador para a do recebedor em poucos segundos, o que torna essa modalidade atrativa para golpistas.
O mecanismo funciona como uma ferramenta de proteção ao consumidor, permitindo o bloqueio e a devolução de valores em casos de fraudes comprovadas, aumentando as chances de recuperação do dinheiro.
Como funciona o MED?
O processo do MED segue estas etapas:
- Notificação à instituição financeira: A vítima deve entrar em contato com seu banco imediatamente após perceber que caiu em um golpe, relatando o ocorrido e solicitando a devolução dos valores.
- Registro da notificação: O banco da vítima registra a notificação de infração e instaura o Mecanismo Especial de Devolução (MED).
- Bloqueio dos valores: O banco do suposto golpista bloqueia os recursos disponíveis na conta.
- Análise do caso: As duas instituições financeiras avaliam o caso em até 7 dias corridos para verificar se há indícios de fraude ou golpe.
- Devolução dos valores: Se comprovada a fraude, o banco do golpista devolve os recursos para a vítima em até 96 horas (4 dias), a contar do término da avaliação.
- Devoluções parciais: Caso a devolução tenha sido feita parcialmente, o banco do fraudador deverá realizar múltiplos bloqueios ou devoluções parciais sempre que forem creditados recursos nessa conta, até que se alcance o valor total da devolução ou 90 dias contados a partir da transação original.
É importante ressaltar que o MED deve ser acionado em até 80 dias da data da transferência fraudulenta.
O Golpe do “Pix Errado”: Como Criminosos Usam o MED de Má-Fé
Infelizmente, o próprio Mecanismo Especial de Devolução (MED), criado para proteger as vítimas, tem sido explorado por golpistas para aplicar fraudes. Essa modalidade, conhecida como “Golpe do Pix Errado”, funciona da seguinte forma:
- Transferência inicial: O golpista obtém o número de celular da vítima (geralmente usado como chave Pix) através de cadastros online ou informações expostas em redes sociais e realiza uma transferência para a conta da vítima.
- Contato fraudulento: Em seguida, o criminoso entra em contato com a vítima, alegando ter feito um Pix por engano e solicita a devolução do valor.
- Redirecionamento do dinheiro: O golpista orienta a vítima a devolver o dinheiro para uma chave Pix diferente da original, geralmente vinculada a uma conta de terceiros usada para ocultar a origem ilícita da transação.
- Acionamento do MED: Após receber a “devolução” na conta alternativa, o criminoso aciona o Mecanismo Especial de Devolução (MED) junto ao seu banco, alegando ter sido vítima de fraude na transferência original.
- Análise do sistema: Quando o sistema analisa o caso, identifica um padrão típico de golpe: uma transferência seguida de outra para uma conta diferente. No entanto, para o sistema, a vítima real aparece como o suposto golpista.
- Duplo prejuízo: Como resultado, o banco retira o valor da conta da vítima para devolver ao golpista, que acaba ficando com o dobro do dinheiro: o valor “devolvido” voluntariamente pela vítima para a conta alternativa e o valor estornado pelo banco através do MED.
Este golpe é particularmente perverso porque utiliza o próprio mecanismo de proteção criado pelo Banco Central para causar prejuízo às vítimas. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) tem alertado sobre esta prática fraudulenta que vem crescendo no país.
Tipos de golpes mais comuns com Pix
Os golpistas estão constantemente aperfeiçoando suas técnicas. Entre os golpes mais frequentes estão:
- Golpe do WhatsApp clonado: O criminoso clona a conta de um amigo ou familiar e solicita dinheiro via Pix alegando uma emergência.
- Promoções falsas: Ofertas “imperdíveis” de produtos ou prêmios em troca de um Pix de baixo valor.
- QR Codes adulterados: Alteração da imagem de um estabelecimento legítimo para desviar pagamentos.
- Falso funcionário bancário: O golpista se passa por funcionário do banco, alegando problemas na conta e solicitando transferências para “verificação”.
- Golpe do falso Pix errado: Como explicado acima, o criminoso faz um Pix para a vítima, pede devolução para outra conta e depois aciona o MED para recuperar o valor original.
Aspectos jurídicos e responsabilidade dos bancos
A relação entre cliente e instituição financeira é regida pelo Código de Defesa do Consumidor ( CDC), conforme a Súmula 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
As instituições financeiras possuem responsabilidade objetiva pelos danos causados aos consumidores, conforme estabelece a Súmula 479 do STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.
O Banco Central, através da Resolução BCB nº 1, de 12 de agosto de 2020, instituiu o arranjo de pagamentos Pix e aprovou seu regulamento, estabelecendo expressamente o dever das instituições financeiras de promoverem medidas de segurança para evitar fraudes.
Segundo o artigo 41-B do regulamento anexo à Resolução BCB nº 1/2020 (incluído pela Resolução BCB nº 103/2021), quando o cliente contesta uma transação fraudulenta, a instituição financeira deve promover o mecanismo especial de devolução (MED) para viabilizar a devolução do valor ao cliente, desde que exista fundada suspeita do uso do arranjo para a prática de fraude.
Como recuperar o dinheiro em caso de golpe do Pix
Se você foi vítima de um golpe envolvendo Pix, siga estes passos para aumentar suas chances de recuperar o dinheiro:
- Aja rapidamente: Entre em contato com seu banco imediatamente pelos canais oficiais (aplicativo, telefone ou agência). Quanto mais rápido você agir, maiores as chances de recuperação.
- Registre um Boletim de Ocorrência: Procure uma delegacia ou faça o registro online para documentar o golpe. Este documento será importante tanto para o processo do MED quanto para eventuais ações judiciais.
- Solicite o MED: Peça explicitamente ao seu banco que acione o Mecanismo Especial de Devolução, explicando detalhadamente como ocorreu o golpe.
- Reúna provas: Guarde todos os comprovantes, mensagens, e-mails ou qualquer comunicação relacionada ao golpe. Essas evidências serão fundamentais para comprovar a fraude.
- Acompanhe o processo: Solicite o número de protocolo do atendimento e acompanhe regularmente o andamento da análise. O banco tem até 7 dias para avaliar o caso.
- Recorra a órgãos de defesa do consumidor: Se o banco não resolver o problema, registre uma reclamação no Procon, na plataforma consumidor.gov.br ou no próprio Banco Central.
Como se proteger do golpe do “Pix Errado” e do uso indevido do MED
Para evitar ser vítima do golpe do “Pix Errado” e do uso malicioso do MED, adote estas precauções específicas:
- Nunca devolva para uma conta diferente: Se receber um Pix supostamente por engano e alguém solicitar devolução, sempre utilize a função de devolução dentro do próprio aplicativo do banco. Esta função garante que o dinheiro retorne para a mesma conta de origem.
- Verifique a transação no extrato: Antes de fazer qualquer devolução, verifique no extrato bancário se realmente recebeu o valor mencionado e de qual conta veio a transferência.
- Contate seu banco em caso de dúvida: Se receber uma solicitação de devolução suspeita, entre em contato com seu banco pelos canais oficiais para verificar a legitimidade da transação.
- Desconfie de urgência excessiva: Golpistas geralmente pressionam por uma resposta imediata. Tome seu tempo para verificar a situação antes de realizar qualquer transferência.
- Proteja seus dados pessoais: Evite compartilhar seu número de telefone e outras informações pessoais em redes sociais ou sites não confiáveis, pois esses dados podem ser usados pelos golpistas.
Medidas judiciais para recuperação dos valores
Se as medidas administrativas não forem suficientes para recuperar o dinheiro, é possível recorrer à via judicial:
- Juizados Especiais Cíveis: Para valores de até 40 salários mínimos, é possível ingressar com uma ação nos Juizados Especiais, onde não é necessária a contratação de advogado.
- Ação de indenização: É possível ajuizar uma ação contra a instituição financeira pleiteando a devolução dos valores e indenização por danos morais, com base na responsabilidade objetiva do banco.
- Tutela de urgência: Em muitos casos, é possível solicitar uma tutela de urgência para bloqueio imediato dos valores na conta do golpista, aumentando as chances de recuperação.
A jurisprudência tem sido favorável às vítimas de golpes, reconhecendo a responsabilidade das instituições financeiras pela falha na prestação do serviço e no dever de segurança. Conforme entendimento do TJDFT, “as instituições financeiras que oferecem transação de valores por meio de pix devem implementar mecanismos de segurança para mitigar danos causados aos consumidores, especialmente em relação às fraudes praticadas por terceiros.”
Prevenção contra golpes do Pix
Para evitar cair em golpes, adote estas medidas preventivas:
- Desconfie de ofertas muito vantajosas: Se parecer bom demais para ser verdade, provavelmente é um golpe.
- Verifique a identidade de quem solicita dinheiro: Em caso de pedidos via WhatsApp ou outras redes sociais, confirme a identidade da pessoa por outro meio de comunicação.
- Ative a verificação em duas etapas: Utilize essa função em seus aplicativos bancários e redes sociais.
- Confira os dados antes de confirmar transferências: Verifique cuidadosamente o nome do destinatário e o valor antes de finalizar qualquer Pix.
- Utilize os limites de transferência: Configure limites diários e noturnos para suas transferências via Pix.
- Nunca compartilhe senhas ou códigos: Instituições financeiras nunca solicitam senhas ou códigos de segurança por telefone, e-mail ou mensagens.
Conclusão
O Mecanismo Especial de Devolução (MED) representa um importante avanço na proteção dos consumidores contra fraudes no Pix. No entanto, sua eficácia depende da rapidez com que a vítima aciona o mecanismo e da disponibilidade de recursos na conta do golpista. Além disso, é preciso estar atento ao uso malicioso do próprio MED por criminosos, como no caso do golpe do “Pix errado”.
Em caso de golpe, é fundamental agir rapidamente, contatando sua instituição financeira, registrando um boletim de ocorrência e solicitando expressamente o acionamento do MED. Se necessário, não hesite em buscar auxílio jurídico especializado para garantir a recuperação dos valores e a reparação dos danos sofridos.
Lembre-se: a prevenção continua sendo a melhor estratégia contra golpes. Mantenha-se informado sobre as técnicas utilizadas pelos golpistas e adote práticas seguras em suas transações financeiras.